O pai deles, o empresário Christian Lucas da Silva, empolga-se ao ver a desenvoltura e a facilidade que eles adquiriram com os aparatos tecnológicos. Enquanto Andressa gosta de explorar os aplicativos do tablet e pedir o celular da mãe emprestado, Miguel curte mais fazer montagens em programas instalados no notebook: “Copiar, colar, fazer desenhos e imprimir”, conta ele.



Os dois, assim como milhões de crianças brasileiras, fazem parte de uma geração que já nasceu conectada e que usa cada vez mais as telas virtuais para se comunicar, estudar e se divertir. Segundo a pesquisa TIC Kids Online 2013, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, mais de 27 milhões de domicílios brasileiros têm acesso à internet.

Ao interagir com os filhos e monitorar o que eles fazem quando estão on-line, Poliana e Christian endossam outra estatística do relatório: 43% dos pais e responsáveis afirmam realizar atividades junto com as crianças na rede. “Fazemos questão de estar sempre por perto”, comenta a mãe.

O ambiente para acesso à internet mais mencionado na pesquisa é a sala de casa (68%), seguido pelo quarto da criança ou adolescente (57%). Segundo Alexandre Barbosa, gerente do CETIC.br, há um crescimento do acesso a computadores em locais de maior privacidade, como é o caso do quarto. “Isso representa um desafio para os pais no que se refere à mediação do uso da rede”, frisou o pesquisador na divulgação do relatório.

A pequena Helena Baris Vital, de 9 anos, diferentemente de coleguinhas da mesma idade, diz que não se importa de seus pais estarem sempre vigilantes quando ela acessa a internet pelo computador da casa, pelo tablet que ganhou do avô, ou pelo celular, que os pais emprestam de vez em quando: “Eu uso é para jogar, para conversar com meu priminho que mora em Londres ou para fazer pesquisas que os professores pedem”, conta ela. A mãe, Renata Vital de Araújo, diz que o “segredo” para não haver embate é o diálogo. “Todos nós em casa acessamos a internet de maneira equilibrada. Ela deve ser usada para ajudar, nunca para atrapalhar as relações”, diz a odontóloga, que é mãe também de Arthur, de 12 anos.

A regra na casa deles é ficar diante das telas por no máximo 30 minutos por dia durante a semana; e duas horas nos fins de semana. Para o pai, o pediatra Ike Baris Pedreira, é importante impor regras e limites porque as crianças não têm maturidade para fazer certas escolhas. “Há um encantamento com as possibilidades de jogar, de aprender coisas novas, porque é uma fase de descobertas, criatividade em alta. Mas ninguém deve deixar de brincar, de vivenciar o mundo, a família”, diz o médico.

Existem alguns estudos internacionais que apontam possíveis malefícios no uso exagerado de equipamentos digitais, como a diminuição da capacidade de crianças em reconhecer emoções de outras pessoas e dificuldade em distinguir o mundo virtual do mundo real. Mas para Gilberto Lacerda, professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da UnB, não há estudo sério e longitudinal que comprove isso, “são apenas especulações”.

“Estamos assistindo ao início de uma nova era, a uma revolução, cujos resultados só poderão ser avaliados a longo prazo. Mal sabemos o que, de fato, fazer com os tablets, que há alguns anos atrás nem existiam”, diz o pesquisador, que em setembro participou de um evento na Áustria sobre conexão de territórios por meio de novas tecnologias de informação, comunicação e expressão.

A professora Aglaia Gorete, do Colégio Notre Dame, diz que a internet complementa o conteúdo que é passado em sala de aula: há joguinhos virtuais que ajudam na aprendizagem de conteúdos escolares

Perguntado se as crianças de hoje têm mais facilidade para lidar com os aparatos tecnológicos, Gilberto Lacerda diz que sim – é mais fácil porque isso é inerente ao mundo em que vivem. “Eles têm acesso aos eletrônicos na escola, em casa e em todos os ambientes em que circulam. É um comportamento natural e que não apresenta nada de extraordinário. As novas gerações sempre lidam melhor com as inovações do que as velhas gerações”, esclarece.

O pai do pequeno João Gabriel, de 5 anos, Irineu Marques Dias, compara os brinquedos preferidos do filho aos que ele tinha quando era criança. “Eu vejo o tablet como uma evolução do videogame. Eu acho muito legal, porque agora ele pode levar para todo lugar, tem mais jogos, inclusive educativos, mais opções. É interessante”, diz. Polliana Marques, a mãe, foi quem deu o tablet para João Gabriel, há dois anos. “Ele era muito nervoso e eu comprei para acalmá-lo. Foi bom, e, além disso, ele me ensinou a mexer em coisas que nem eu sabia”, diz.

É interessante notar que esse fato parece natural, mas é, na verdade, a inversão de uma lógica antiga: os filhos agora apresentam coisas novas aos pais. Priscila Gonsales, diretora executiva do Instituto Educadigital, propõe constantemente reflexões sobre esse tema. Ela trabalha com formação de educadores e tem a preocupação de mostrar que é importante compartilhar saberes na era da cultura digital (o conteúdo didático elaborado pelo instituto, por exemplo, está todo disponível no site, gratuitamente).

A pesquisadora parte do princípio de que todos nós podemos ser produtores de informação, conhecimento e cultura, e prega que a educação seja mais aberta. “Estamos em um momento em que as conexões podem ser maiores, nossas crianças podem conversar com crianças de escolas de qualquer região do país. Podem publicar trabalhos, dividir, criar narrativas digitais e mostrar isso para quem quiser ver”, explica. Ela é otimista ao falar de novos costumes trazidos pelo mundo digital: “Penso que o acesso a museus do mundo todo, para citar um exemplo, é um abrir de horizontes.”

No entanto, além das oportunidades, ela não deixa de citar os riscos que a internet oferece: “Os pais acham que, por estar em casa, está tudo tranquilo com o filho, mas não é bem assim. O computador é uma reprodução da sociedade – nele acontecem coisas boas e ruins”, comenta. A propagação de conteúdos de apelo consumista, bulímicos, ou apologia a crimes, a jogos de azar, a terrorismo e xenofobia mostram teores que crianças nunca estão preparadas para receber, e a maioria ainda não consegue discernir o que é certo e o que é errado.

Para a maioria dos pais brasileiros, educar os filhos com novidades de interação virtual que surgem a todo momento é um desafio, especialmente porque eles não costumam acessar a internet com a mesma frequência que os rebentos. Divulgado recentemente, o Guia de Segurança On-line, publicado pela AVG Technologies, diz que apenas 46% dos pais de crianças conectadas acessam a rede com frequência. A pesquisa foi feita com 2,2 mil mães em sete países da Ásia, Oceania e América, incluindo o Brasil. Outro dado que chama a atenção no guia é que 69% das crianças até 4 anos usam primeiro um computador e somente depois desenvolvem atividades mais comuns, como amarrar os cadarços.

As escolas, em sua grande maioria, ainda buscam a melhor forma de inserir os aparatos tecnológicos em seus planejamentos pedagógicos. Algumas proíbem que as crianças levem celulares para a sala de aula, por exemplo, (o que é considerado indevido), e outras liberam o uso mesmo sem haver aproveitamento de conteúdo (o que também não é o ideal).

No Colégio Notre Dame, a coordenadora do Fundamental 1, Priscila Pinheiro, diz que é difícil impor regras para o celular porque muitos pais precisam conversar com os filhos enquanto eles estão na escola. “Mas, com disciplina, conseguimos que a tecnologia não seja um problema”, diz ela, que conta com laboratório de informática na escola e está em processo de implantação de material didático em tablets. Aglaia Gorete, professora regente do 5º ano na mesma escola, diz que a internet complementa o conteúdo que é passado em sala de aula: “Os alunos adoram fazer pesquisa no laboratório de informática. E mesmo os jogos que estimulamos que eles joguem ajudam em outras matérias”, diz.

Especialista em aprendizagem colaborativa on-line, o professor Lúcio Teles, da Faculdade de Educação da UnB, diz que não existe “fórmula certa” para trazer a internet para o ensino fundamental. “O Ministério da Educação propõe que as escolas trabalhem com tecnologia, mas não há política clara de como deve ser feito e muito menos infraestrutura para isso”, critica.

Segundo ele, as novidades e o desconhecido comumente assustam, mesmo que a atração pela tecnologia sempre tenha existido. Para exemplificar, ele cita o texto Fedro, no qual Platão aponta as mudanças causadas pelo aparecimento da escrita – fato que provocaria alterações na tradição grega, até então essencialmente oral. “Mesmo não existindo um caminho só para trabalhar com ela, o essencial é não negar que a internet é parte da nossa sociedade hoje”, completa Lúcio Teles.

Enquanto isso, os professores lidam de forma diversa, os pais tentam acompanhar o ritmo frenético de conectividade dos filhos e as crianças seguem abrindo novas portas todos os dias.

Segurança

Itens que pais e professores devem observar em casa e na escola

- Não subestime: crianças que são capazes de fazer buscas de joguinhos no Google podem também chegar a informações de outra natureza e se conectar a pessoas mal-intencionadas. Para conferir que sites eles visitaram, use o botão ‘histórico’ do navegador web

- Todos devem ficar conscientes dos riscos envolvidos no uso das redes sociais e ser orientadas a não se relacionarem com estranhos

- Nunca é demais dizer: as crianças devem ter cuidado para nunca fornecerem informações pessoais sobre eles próprios ou sobre outros membros da família (muitos o fazem sem nem perceber)

- Oriente para não divulgarem hábitos familiares, localização (atual ou futura) nem horários de aulas

- É importante respeitar os limites de idade estipulados pelos sites (eles não foram definidos à toa)

- Em qualquer situação, o computador usado por crianças deve ficar em locais onde qualquer pessoa possa observar o que elas estão fazendo e verificar o comportamento. Além disso, é preciso que se esclareça sobre os riscos de uso da webcam e que elas nunca devem ser utilizadas para se comunicar com estranhos

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