Ferramentas de comunicação como o WhatsApp, FaceTime e Skype estão aproximando gerações. Muitos netos conversam com os vovôs e vovós por meio das telas, uma revolução nas relações familiares

Enquanto você lê essa matéria, vovôs e vovós de todo o Brasil estão recebendo parabéns pelo seu dia, comemorado hoje. A lembrança dos netos vem em forma de abraços, telefonemas e, por que não, mensagens de WhatsApp ou recadinhos na timeline. Sim, porque os avós de hoje têm Facebook... E usam FaceTime, conversam pelo Skype, têm grupos e mais grupos de amigos e familiares no que batizaram de "ZapZap". Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de idosos com acesso à internet mais que dobrou entre 2008 e 2013, saltando de 5,7% para 12,6%. O smartphone também já está naquela lista de sonhos de consumo. Para eles, já não basta ligar, é preciso ter um dispositivo recheado de aplicativos para trocar fotos, vídeos e mensagens.

A maior familiaridade com a tecnologia foi responsável por uma revolução nas relações familiares. Os grupos de família no WhatsApp colocaram todo mundo em contato, suscitaram encontros presenciais e aproximaram, inclusive, gerações. Avós e netos ouvidos pelo Estado de Minas contam estar muito mais próximos com a ajuda da tecnologia. De repente, representantes de faixas etárias tão distintas têm algo em comum: o gosto e o domínio das telas de computadores, tablets e celulares. O aumento da expectativa de vida tem contribuição direta nesse cenário. Aos 60, 70 anos, os avós estão jovens o suficiente para aprender. Inclusive com os próprios netos, dispostos a ver os avós digitalmente incluídos.

Aos 65 anos e com cinco netos, a professora Solange Medeiros de Abreu vê, pelas telas, os netos crescerem. Bernardo e Vitória, de 4 e 2 anos, vivem no Colorado, Estados Unidos. É pelo FaceTime ou Skype que Solange mata as saudades não só deles, mas também do filho. No aniversário de Vitória, aproveitou para mandar um presente diretamente do Brasil pela outra avó que foi visitá-los. Pelo aplicativo, mostrou o vestido para a nora, que achou o tamanho pequeno. "Troquei, mandei e ela só abriu o presente quando estávamos conectadas, para vermos a reação uma da outra. Vitória colocou o vestido e fez questão de rodar para eu ver como estava lindo. O mundo perdeu a distância, está tudo na palma da mão", comemora.

BENEFÍCIOS Essa cumplicidade com a tecnologia faz bem para as relações familiares, e também para a saúde. Segundo os gerontólogos Tiago Nascimento Ordonez, Eva Bettine de Almeida e Thais Bento Lima-Silva, autores do artigo "Navegar é preciso e faz bem ao cérebro – O impacto da internet nas funções cerebrais dos idosos", o uso da tecnologia demanda um conjunto de habilidades cognitivas e motoras essenciais para manter o cérebro saudável. A inclusão dos idosos no contexto do mundo digital, entretanto, deve levar em conta a sua linguagem, sua história de vida, suas alterações cognitivas, emocionais e físicas, entre outras singularidades. "A geração nascida no universo de ícones, imagens, botões e teclas transita com desenvoltura nessa cena visionária de quase ficção científica, mas a outra, nascida em tempos de relativa estabilidade, convive de forma conflituosa com as rápidas e complexas mudanças tecnológicas, cuja progressão é geométrica", defendem. Fato é que eles estão transformando cenários.

CADA VEZ MAIS Apesar do crescimento considerável, o contingente de internautas com 60 anos ou mais ainda é o menor entre as pessoas que usam a internet no Brasil. A terceira idade representa 3,3 milhões de usuários. Por outro lado, o salto proporcional foi o maior entre as 12 faixas investigadas no suplemento sobre tecnologia da informação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Mais tecnologia, menos solidão

Ter 82 anos de idade não faz qualquer diferença na hora de Aldeman Chagas Franco de Assis se virar com telas e teclados. Natural de Conceição das Alagoas e moradora de Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, ela está bem longe de três dos quatro herdeiros. É pelo Skype e FaceTime que ela conversa com os filhos, netos e o bisneto em BH, em Goiânia e na Suíça. Ex-comerciante, Aldeman dirige "pra cima e pra baixo", como ela mesmo explica, resolvendo uma coisa ou outra. A independência para tocar a vida a ajudou também a não ter medo da tecnologia. "Apesar de pouco estudo, sempre gostei de mexer nas coisas diferentes. Quando surgiu o computador, logo pensei que iria gostar e quis aprender. Ganhei um do meu filho, que começou a me ensinar, e há seis anos faço aulas com o professor Werley Silvério para aproveitar os recursos do computador e do celular", conta.

No smartphone, o WhatsApp é o preferido de Aldeman, que mantém dos grupos de família: o Assis, com os filhos, e o Pedraiada, com seus irmãos, todos eles descendentes de um Pedro, daí o nome. Para as conversas do dia a dia, nada de telefone. Para os filhos ou netos, ela chama mesmo é no FaceTime ou Skype. "O preço de uma ligação é absurdo, nesses programas não pago nada", comemora. Uma modernidade só. "É tão bom falar vendo a pessoa. Gosto muito mais. E não é só conversar, posso mostrar as coisas. Meu filho que mora na Suíça é decorador. Mostro como está a minha casa e ele dá um tanto de sugestões. A tecnologia também me aproximou dos meus netos. Só um mora aqui perto, então, todos os outros, como o Bruno, que mora em BH, demorava a ver. Agora não. Com o computador e o celular posso chamá-lo a qualquer hora, é só bater a saudade", explica.

Esse modo de Aldeman estar próxima dos netos faz parte de uma nova realidade cultural na qual muitas das ações e vivências sociais ocorrem nas redes sociais, como o Facebook e WhatsApp. Para alguns, os indivíduos hoje transitariam em duas realidades paralelas: a analógica e a digital. Mas para o doutor em engenharia elétrica e pesquisador da área Will Almeida, essa digital é uma parte de uma realidade cultural geral, na qual também residem outras realidades que afetam a percepção e o modo de vida contemporâneo. "Realidade essa que penetrou nas esferas de trabalho, lazer, família e mesmo no ambiente íntimo. A presença da tecnologia se tornou uma necessidade, não mais uma opção. Ou seja, nossa realidade é a junção dessas duas realidades, uma é complemento da outra", explica.

Membro do Uniceuma Sem Fronteiras, projeto da Universidade Uniceuma, de São Luiz, que visa a inclusão social e digital do cidadão com 60 anos ou mais, Will tem pesquisado como a realidade aumentada pode auxiliar a educação na terceira idade, quais são os benefícios da informática na vida do idoso e qual é a visão desse usuário sobre os dispositivos móveis. Com outros pesquisadores, também participa do desenvolvimento de jogos digitais como estratégia na melhoria de cognição e motricidade de idosos. "Esses estudos foram oportunos para verificar que esse público está cada vez mais interessado em exercer diferentes atividades, como a informática, que ganha destaque com o alto grau educacional e de socialização. Pretendemos desenvolver ferramentas tecnológicas para proporcionar melhorias na autonomia funcional de idosos e influenciar na sua qualidade de vida", explica.

A adesão dos idosos aos recursos digitais, segundo o pesquisador, pode ser explicado, entre outros, pelo fato de ser um meio mais barato e direto de esses conversarem com os familiares e amigos que estão longe, permitindo que não se sintam tão solitários e que possam fazer parte da vida deles. Os idosos que procuram o projeto, por exemplo, logo na primeira aula afirmam querer se atualizar para fazer parte em grupos de afinidades sociais, como de viagens, trabalhos manuais como renda e crochê, sites de comida caseiras e de compras seguros. "Posso afirmar que 29 dos 30 alunos usam as redes sociais diariamente, postando fotos (de família, atividades manuais desenvolvidas por eles e do seu dia a dia), marcando também encontros, passeios e até festas", compartilha o pesquisador.

FENÔMENO MUNDIAL Em razão do processo de globalização, a inclusão digital dos idosos é um comportamento mundial. Mas é possível identificar algumas particularidades, principalmente em relação ao sexo. "Baseado na minha experiência, verifico que o público masculino do projeto, que oferece outras atividades, prefere encontros presenciais e trabalhos manuais aos automáticos, na maioria das vezes, por medo do novo. Já o público feminino, em quase sua totalidade, tem grande aceitação às tendências tecnológicas. A superação do medo e de uma barreira que já existiu no passado, e persiste entre alguns idosos, estaria na necessidade de se encaixarem num mundo mais interativo com milhares de pessoas que procuram algum tipo de afinidade social. O fato de as tecnologias estarem se tornando cada vez mais intuitivas, acessíveis mesmo a bebês, também ajuda a promover esse cenário.

Exercício para a memória

Maria Regina Correia Coelho adiou a troca do smartphone. "Tenho o Iphone 5 e queria o 6, mas vou esperar setembro, quando já vão lançar o novo modelo. Celular é muito caro. É bom ficar com ele pelo menos uns dois anos para não ter prejuízo, mas é importante comprar a tecnologia mais recente", ensina. A professora de canto tem 66 anos, seis netos e domínio do assunto: mais do que muita gente mais nova do que ela. A turma da maioridade não só "invadiu" a internet. Alguns têm bastante familiaridade com os recursos, outros ainda têm medo de mexer, mas o que preocupa mesmo são aqueles que fazem um uso ingênuo da rede. Nada que não possa ser aprendido.

A tecnologia nunca assustou Maria Regina. Pelo contrário, é algo que sempre lhe despertou o interesse. "Assim que lançaram a televisão com antena interna, que precisava ser regulada para a imagem não chiar, começou a mania de configurar os dispositivos. Naquela época, chegava na casa das pessoas e ficava agoniada se a imagem era ruim. Pegava o controle e corrigia o contraste e outras funções", lembra. A tecnologia foi evoluindo e ela sentiu vontade de acompanhar o progresso. O neto Arthur Coelho Reis, de 18 anos, fez questão de incentivar a avó, inclusive para facilitar o contato com ela, já que estuda e mora no Canadá.

"Ela é superantenada. Tem mais tecnologia que qualquer outra pessoa da família. Às vezes, é ela que conta o que há de novidade na área", comemora o universitário. A outra avó de Arthur, segundo ele, não é tão conhecedora do tema, mas comprou um iPad só para poder conversar com ele no exterior. O FaceTime tem ajudado a diminuir a distância e manter o garoto próximo das avós, que só pode ver pessoalmente durante as férias escolares, como agora. E com a desculpa de falar com o neto, elas estão ficando craques nos recursos disponíveis. "É bom que estejam usando celulares, tablets como qualquer pessoa. Assim elas exercitam o cérebro, continuam jovens", afirma.

Vários estudos já comprovaram os benefícios desse envolvimento dos idosos com a internet. No artigo Navegar é preciso e faz bem ao cérebro: o impacto da internet nas funções cerebrais dos idosos, os gerontólogos

Tiago Nascimento Ordonez, Eva Bettine de Almeida e Thais Bento Lima-Silva explicam que, por ser extremamente estimulante, o funcionamento cerebral é alterado após o uso do computador. Estudo com 24 adultos maduros e idosos que faziam buscas na internet mostrou que as áreas do cérebro envolvidas durante a navegação na internet são semelhantes às da leitura. Trata-se do córtex pré-frontal, que permite às pessoas tomarem decisões rápidas e ativarem a resolução de problemas enquanto avaliam informações complexas.

"Dessa maneira, a internet pode ser uma fonte de exercícios para o cérebro, atenuando a degradação provocada pelo envelhecimento", defendem os especialistas. Tais benefícios também foram evidenciados por uma pesquisa que acompanhou, por seis meses, 14 pessoas com idade entre 59 e 89 anos. Os serviços utilizados para navegação consistiam em e-mail, acesso a uma enciclopédia digital, painéis, jogos educativos e recreativos e outras aplicações. Os resultados mostraram melhora no desempenho intelectual e nas atividades do dia a dia. Segundo os autores, nas várias ações envolvidas na navegação da internet muitos exercícios são praticados.

Quando lembramos os procedimentos adequados para navegar na internet (ligar o computador, abrir o programa, digitar o endereço de um site) utilizamos a memória de longo prazo, associada a procedimentos. Quando acompanhamos informações e ações já realizadas, utilizamos a memória de curto prazo, ou de trabalho. Para estruturar as ações necessárias na ordem correta, fazemos uso de nossas funções executivas, por exemplo, as habilidades ligadas à organização e execução de uma determinada tarefa. "E, durante a navegação, localizamos informações relevantes e irrelevantes, mas graças à nossa percepção visual e certo nível de atenção, conseguimos separar o joio do trigo, habilidade essencial para uma boa memorização", defendem.

Para essa turma, então, nada de regrar as horas passadas em frente à telinha ou com olhos vidrados no celular. Até porque eles já estão bem grandinhos.

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